Preço das casas
24 Setembro 2023
O Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou o Índice de Preços de Habitação relativo ao segundo trimestre de 2023.
Mas antes de mencionar os dados com maior destaque e comentar cada um deles, importa lembrar que este estudo do INE (ao contrário das Estatísticas dos Preços da Habitação Local, que só estarão disponíveis daqui a um mês), nos permite apenas fazer observações gerais sobre o mercado imobiliário nacional, ou algumas das suas regiões. O que, sendo de manifesta importância e pertinência, pode não ter aplicabilidade a uma situação particular como, por exemplo, a avaliação de um dado imóvel que se esteja a considerar comprar ou vender.
Feita esta ressalva, vou enunciar os dados mais relevantes deste estudo e comentar cada um deles.
I
DADO: subida do Índice de Preços da Habitação em 8,7% em termos homólogos (face ao 2T de 2022), a mesma que se havia registado no último trimestre.
COMENTÁRIO: a variação homóloga média entre o 1º e o 4º trimestre 2022 foi de 12,6%. Ou seja, nos dois últimos trimestres a valorização anual das casas verificou-se a um ritmo mais lento que nos quatro períodos imediatamente anteriores.
II
DADO: subida daquele mesmo índice em 3,1% face ao trimestre anterior (que, por sua vez, havia crescido apenas 1,3% e 1,1% nos dois trimestres precedentes).
COMENTÁRIO: a subida significativa da variação trimestral dos preços da habitação pode sugerir, salvo algum efeito sazonal muito específico, que as casas poderão estar a retomar uma valorização mais significativa (o que, não deixa de ser interessante apontar, contrasta com a interpretação sugerida pelo indicador anterior, e até com algumas das notícias que têm vindo a público).
III
DADO: redução do número de transações em 22,9% face ao trimestre homólogo. Ou seja, foram vendidas menos 9.983 casas que no 2º trimestre de 2022.
COMENTÁRIO: este é o 4º trimestre consecutivo em que há descida do número de transações face ao período homólogo. E se em 3T 2022 essa variação negativa foi apenas de 2,82% (-1.224 habitações), em 4T 2022 e 1T 2023 ela já havia sido, respetivamente, de 16,04% (-7.359 habitações) e 20,79% (-9.051 habitações).
Autor não identificado.
Quando falamos da evolução do mercado imobiliário há duas variáveis cuja importância se destaca das demais: número e valor de transações. Tradicionalmente, é a variação destas grandezas (e a evolução das suas trajetórias) que costuma definir o quão aliciante é, num dado lugar e num determinado momento, investir em imóveis.
O número de transações tem continuado a descer, presume-se que, em parte pelo contexto inflacionista, que é responsável direto pela diminuição da poupança e do rendimento disponível. Mas também – num país em que cerca de 70% das transações imobiliárias estão associadas a hipotecas, e mais de 90% das quais eram contratadas a taxa variável – pela subida das taxas de juro.
Ou seja, é fácil de imaginar que no espaço de um ano, terão havido famílias que pesquisavam casas até 400.000€ a dar-se conta, depois de uma conversa com o seu gestor bancário ou intermediário de crédito, que teriam de se focar em imóveis cujo preço não ultrapassasse os 300.000€.
Sendo que, para agravar esta quebra da capacidade aquisitiva, a verdade é que os preços, ainda que tendo registado um ligeiro abrandamento, continuam a subir. E note-se: o ritmo de valorização dos imóveis residenciais tem vindo a acontecer sempre acima dos valores da inflação.
Ou seja, em Portugal a valorização das casas continua a acontecer a um ritmo superior que a valorização da generalidade dos outros bens. O que, num contexto potencialmente desafiante (a subida das taxas de juro aumenta o custo de uma hipoteca aumenta, o que expectavelmente impacta negativamente a procura e os preços dos imóveis), parece dar razão àqueles que continuam a achar que o ativo residencial é um bom investimento em Portugal. Como àqueles que continuam a achar que a habitação é um dos maiores desafios deste país (e de boa parte da Europa).
Mas não há nenhum factor que possa opôr-se à valorização dos ativos residenciais? É preciso referir que o impacto que a subida das taxa de juro tem na prestação das casas de tantas famílias ameaça, pelo menos no plano teórico, a valorização das mesmas. Alguém que falhe (ou perspetive o incumprimento) de uma prestação ao banco poderá considerar vender a casa. E é possível que não seja o mais paciente dos vendedores.
Por outro lado, é por demais óbvio o esforço do governo para evitar incumprimentos: depois da obrigatoriedade dos bancos apresentarem soluções para baixar a prestação daqueles que viram a sua taxa de esforço ultrapassar os 36% (para créditos de valor inferior a 250.000€), temos agora o desconto (ou adiamento por quatro anos) do pagamento de 30% do valor da Euribor.
E não se pode deixar de realçar que, desde a pandemia e respetivas moratórias, a proatividade dos bancos face a cenários de incumprimento parece ter aumentado significativamente.
E os parágrafos anteriores trazem-me a um tema, cuja importância é bem maior do que aquela que usualmente se lhe confere: as palavras que escolhemos.
Porque o nome que damos a um problema impacta não só a forma como o comunicamos, mas também como agimos social, sociológica, fiscal e politicamente perante ele. O que vivemos hoje em Portugal não parece ser uma crise imobiliária residencial. Porquê? Porque os ativos (as casas) continuam a valorizar-se, de forma consistente, a um ritmo superior que a generalidade dos bens. Mas está a acontecer algo tão ou mais assustador: uma crise no acesso à habitação.