Warning: Undefined array key "HTTP_ACCEPT_LANGUAGE" in /customers/f/6/1/ahouseinlisbon.com/httpd.www/core/main/App.php on line 32 Vistos Gold: do delírio aos factos - A HOUSE IN LISBON

Investimento

Vistos Gold: do delírio aos factos

A discussão pública sobre os vistos gold está refém de duas partes que parecem ter prescindido de tentar encontrar a solução mais equilibrada para o país. E a argumentação de um e outro lado parece seguir essencialmente a sua agenda e esfera de interesses.

O delírio

Em declarações ao Jornal Eco, o director geral da Cushman & Wakefield em Portugal, Eric Van Leuven, explica desta forma porque é que os vistos gold não terão tido um impacto expressivo nos preços e rendas de habitação: “No lançamento do regime em 2012, os preços inflacionaram um pouco porque havia casas no mercado normal que valiam 400.000 euros, mas para um interessado no visto passaram para 500.000 euros. Mas os vistos não foram responsáveis pela escalada de preços”.

 

I

Vou contornar a reflexão filosófica sobre o que significará "um pouco" para o senhor Van Leuven, e pensar no que teria de fazer se quisesse adquirir uma casa que "valesse" 400.000€, mas para a qual houvesse compradores dispostos a pagar 500.000€. Dito isto, parece-me que se há ou houve pessoas a pagar mais 25% por uma casa porque o valor desta foi insuflado de forma totalmente artificial, não poderia haver motivo mais válido para um governo querer acabar com os vistos gold. Podemos (e devemos) discutir se este exemplo é representativo daquilo que aconteceu. E reflectir sobre o quão hilariante é que este cenário seja apresentado por alguém que passa a mensagem de que os vistos gold não impactaram os preços. E já agora, pensar na desfaçatez do que é dito por agentes do mercado e na total falta de sentido crítico de um jornalismo que dá voz a formulações deste teor.

 

II

Mas parece haver ali uma subtileza no discurso do senhor Van Leuven. Vou repetir: ”havia casas no mercado normal que valiam 400.000 euros, mas para um interessado no visto passaram para 500.000 euros”. O que quererá ele dizer com isso? Que o preço anunciado de uma casa varia em função de quem se mostra interessado em comprá-la? Que cobramos mais 25% a estrangeiros?

Acho que posso tentar explicar aquilo em que o senhor Van Leuven parecia estar a pensar mas não disse, e que a senhora jornalista não terá achado pertinente perguntar...

Até hoje, mais de 50% dos golden visa foram concedidos a cidadãos chineses. No final de 2014 este valor ultrapassava os 80%. Por motivos que parecem fáceis de entender, um cidadão chinês pode sentir algumas dificuldades a consultar as páginas dos portais e imobiliárias nacionais. Não há dados para validar o que vou dizer mas é comentado entre agentes de mediação, que terão sido vendidos por 500.000€ a compradores chineses nos primeiros anos de vigência do regime, imóveis que estariam disponíveis no mercado por valores inferiores.

Imagine casas que estariam anunciadas por 400.000€ ou 450.000€, mas sobre as quais se terão preparado documentos em mandarim para serem facultados a potenciais compradores chineses, em que o preço apresentado rondaria os 500.000€. Ou seja, imóveis que, num mercado transparente e informado, nunca seriam transaccionados por meio milhão de euros. Mas que, apresentados a investidores chineses, com dificuldades em consultar o mercado por eles mesmos e mal assessorados, tenham sido comprados por estes valores. Porque (quase) todos ficavam a ganhar.

Ficava a ganhar o proprietário, que mesmo pagando, por hipótese, 10% em vez de 5% à mediadora, aumentaria significativamente o seu lucro. O mediador, que mesmo que tivesse que dar 3% ou 4% a um intermediário chinês ficaria com 6% ou 7% de 500.000€, em vez de 5% de 400.000€ ou 450.000€. Podemos discutir (será que podemos mesmo?) se o investidor, focado que estava na obtenção da autorização de residência, também terá ficado a ganhar. Mas acho que todos concordamos que nada disto foi positivo para os lisboetas que procuravam casas em zonas centrais da cidade, nem para a transparência do sector.

 

Claro que estamos em 2020 e publicar #blacklivesmatter nas redes sociais é tudo o que precisamos para demonstrar ao mundo que somos uns tipos porreiros e que respeitamos todos a gente, não importa a cor da sua pele ou país de origem. Mas o que eu gostava mesmo era de ter estado no lugar da senhora jornalista para perguntar ao senhor Van Leuven, a sua definição de "pouco", o quão pouco são 25%, e se acha verosímil que alguém a quem ninguém tenha mentido ou omitido informação relevante, pague 500.000€ por imóveis que, segundo ele mesmo, "valiam 400.000€".

por sunakri

A conveniência da acção política. Mesmo quando parece ser desajustada no espaço e no tempo

Cerca de 90% dos 5,5 mil milhões de euros captados via golden visa nos últimos anos entraram em Portugal por via da aquisição de imóveis.

 

Uma das questões que mais se tem levantado contra os vistos gold e aquela que mais pressão e mediatismo político gera contra os moldes actuais do programa, é o aumento significativo dos custos de habitação. Só para ter noção: entre o 1º trimestre de 2016 e o 2º trimestre de 2020, e segundo dados oficiais, o valor mediano do metro quadrado subiu 80% em Lisboa e 75% no Porto (e 37% em todo o país, valor alavancado pelas duas maiores áreas metropolitanas). São números entusiasmantes para qualquer investidor que tenha decidido adquirir imóveis nas duas maiores cidades do país há meia dúzia anos. Mas são também números verdadeiramente assustadores para qualquer pessoa que viva nas duas maiores cidades portuguesas.

 

Vamos ser claros: quando em 2012 entrou em vigor o regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), uma casa de 500.000€ era praticamente um luxo em qualquer ponto do país. Mas com a evolução dos preços em Lisboa e Porto, passou a ser uma necessidade para um número significativo de famílias. Tendo o valor das casas disparado desta forma, e havendo motivos para achar que uma coisa é causa da outra, não teria sido muito mais útil alterar o valor mínimo admissível para a concessão das autorizações de residência? E estou a pensar no concelho de Lisboa que parece ter sido, desde o início do programa, a localização mais escolhida por aqueles que se candidataram ao visto gold (caso de 60% daqueles que, entre Janeiro e Setembro deste ano, obtiveram um visto dourado por via de investimento imobiliário).

 

Se a sobrevalorização das casas é a preocupação genuína deste governo, e se houver dados a correlacionar uma maior demanda por imóveis de determinado valor em Lisboa, por via da concessão dos vistos gold, o governo já podia e deveria ter subido o valor mínimo de investimento. Até porque, se o receio é efectivamente a capacidade dos portugueses para fazer face aos custos de aquisição, não deixa de ser curioso que esta alteração esteja projectada para o primeiro de muitos anos, em que não há perspectivas de subida do preço das casas em Lisboa e Porto.

Mas já parece não ser novidade que o marketing politico ultrapasse, tantas vezes, os fundamentos da acção política.

Vista área da baixa lisboeta

por Gustavo Frazão

O contexto do aparecimento dos golden visa

Os vistos gold entraram em vigor em Outubro de 2012, pela mão dos ministros Paulo Portas e Miguel Macedo.

É importante lembrar que, em 2011, o descontrole da dúvida soberana e o aumento dos juros que estrangulavam Portugal, conduziram à demissão de José Sócrates do cargo de primeiro ministro e ao pedido de ajuda externa (que o mesmo levou a cabo enquanto governante demissionário). E é igualmente importante não esquecer que, por essa altura, o fim do Euro ou a saída de Portugal da moeda única eram temas que a imprensa visitava com mais frequência do que todos gostaríamos. E a simples sugestão de cenário de regresso ao Escudo não assustava apenas investidores estrangeiros: havia portugueses a pensar que o seu dinheiro estaria mais seguro em bancos alemães. E já agora, recorde-se que estes foram os anos em que o termo “agência de rating” constava nas manchetes dos media com quase a mesma frequência que hoje lemos a palavra “Marcelo” e que, sempre que isso acontecia, nos falavam, não em afectos, mas no quão perto do “lixo” estávamos todos.

 

Portugal precisava de cortar na despesa sem penalizar a economia. Atrair investimento estrangeiro não era apenas lógico. Era necessário.

Por outro lado, não se pode deixar de constatar que, a concessão de autorizações de residência em troca de investimento, é uma medida discriminatória: dá-se a uns aquilo que se recusa a outros, única e exclusivamente com base no valor que eles estão dispostos a pagar. E acho que é saudável que pelo menos se reflicta no seguinte: obter uma autorização de residência nestes termos, assemelha-se a entrar numa discoteca onde, por se ter uma mesa reservada com meia dúzia de garrafas de champagne, se evita a fila à entrada.

 

A verdade é que em oito anos Portugal passou de um país onde não parecia seguro pôr-se o dinheiro, para as primeiras páginas dos cardápios de investimento. Essa mudança deve-se a um conjunto de medidas e acontecimentos que produziram efeitos significativos na percepção que existe sobre o país, a sua capacidade para fazer face à dívida externa, e o dinamismo da sua economia. E sim, as autorizações de residência para investimento são parte importante dessa transformação.

Boaventura, Madeira

por Balate Dorin

O cruzamento de dados entre SEF e INE

Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 2019, e de um total de 1245 autorizações, foram concedidos 1160 vistos gold por via da aquisição de imóveis, correspondentes a um investimento de 661 milhões de euros. O que representa uma média de 570 mil euros de investimento por autorização de residência. O que, sem prejuízo de haver modalidades de acesso à autorização de residência por valores inferiores, e de se saber que o montante exigido pode dizer respeito a um ou mais imóveis, parece confirmar o que o senso comum sugere: que as casas a rondar os 500.0000€ são o alvo prioritário destes investidores.

 

Ainda relativamente a 2019 e agora segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE): 19.520 imóveis foram adquiridos por não residentes por um total de 3.444 milhões de euros (13,3% do volume total de transacções de habitações em Portugal o ano passado). Isto permite-nos retirar a primeira conclusão: os golden visa representam 19% do investimento total de não residentes em habitações e 2,6% do volume de transacções do segmento residencial em Portugal.*

 

Mas o INE fez uma coisa mais interessante ainda, contabilizou quantos destes imóveis tiveram um valor de transacção superior a 500.000€. Em 2019 foram compradas 1462 por não residentes, o que representou 1.349 milhões de euros para um valor médio de transacção de 923.000€. Mas como sabemos que a média de investimento dos 1160 vistos concedidos por via do investimento imobiliário foi de 570 mil euros, podemos inferir duas coisas:

  • que perto dos 79% dos imóveis acima do meio milhão de euros terá sido adquirido por pessoas a quem foi concedida a autorização de residência para investimento*
  • que terão sido os restantes 21% a comprar as casas mais caras.

 

* ver nota final

Sortelha (Sabugal)

by PeekCC

Conclusão

O governo devia explicar e partilhar, de forma clara e transparente, os dados que sustentam as preocupações que servem de argumento para alterar a fórmula que assegurou, ao longo de 8 anos, um investimento de 5 mil milhões de euros. Estejamos a falar de dificuldades no acesso à habitação, receios quanto à origem do capital investido, ou qualquer outra razão.

Há uma coisa interessante que talvez seja importante lembrar. Antes escrevi que o aumento dos valores/m2 em Lisboa e Porto alavancaram os números nacionais do imobiliário. Mas há uma nota à qual ninguém faz referência: desde 2019 que a valorização do m2 em Lisboa e Porto evolui abaixo da média nacional. Um indicador de que o investimento imobiliário nos grandes centros urbanos se começa a transferir para zonas mais periféricas (provavelmente, para nenhum sítio mais distante que as respectivas áreas metropolitanas). Conseguir levar esse efeito dominó até ao interior seria, reconheça-se, um feito notável.

 

Mas é importante ser-se realista. Excluir o litoral das zonas elegíveis pode afastar o investimento. Alargar o leque de opções, escalonando de forma mais diferenciada os montantes de aquisição seria, estou em crer, a melhor forma de fomentar o investimento estrangeiro no interior, sem perder aqueles que insistam ficar em Lisboa ou no resto do litoral. Desde que, para isso, estejam dispostos a desembolsar valores que não choquem com o equilíbrio social. Porque é preciso cuidar de quem cá viveu sempre. E porque esse equilíbrio é responsável por captar tanto ou mais investimento que os próprios vistos gold.

 

 

 

* Nota final: os cálculos assumem que a cada autorização de residência emitida em 2019, corresponde uma ou mais transacções imobiliárias no mesmo ano, algo que não é necessariamente verdade (a transacção pode ter acontecido em 2018 e a emissão da autorização de residência em 2019 bem como, uma transacção de 2019 pode ter originado uma concessão autorização de residência em 2020); mas uma vez que o número de concessões de autorizações não variou mais que 13% entre 2018 e 2019, e as concessões de vistos gold em 2020 apontam para um número anual final entre os valores registados no dois anos anteriores, esta foi uma forma de tentar correlacionar dados do INE e do SEF sem que, aparentemente, houvesse um grande risco de enviesamento.

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