Warning: Undefined array key "HTTP_ACCEPT_LANGUAGE" in /customers/f/6/1/ahouseinlisbon.com/httpd.www/core/main/App.php on line 32 O balão furou - A HOUSE IN LISBON

Mediação Imobiliária

O balão furou

 

Nota do autor

Sou consultor imobiliário e opero essencialmente no segmento residencial. Trabalho com a Keller Williams (KW), mas já colaborei com Remax e Porta da Frente. Não fosse esta a minha atividade e dificilmente teria conhecimento, experiência e sensibilidade para escrever um texto sobre um tema que, apesar de impactar tantas pessoas, não é de identificação fácil por quem não trabalha em mediação imobiliária.

Este artigo é – à semelhança de qualquer outro texto desta publicação – um esforço isento e editorial para lhe trazer informação relevante sobre um dado tema. Serve esta nota para honrar o estatuto editorial desta publicação, e partilhar com o leitor toda a informação relevante para que lhe seja possível "formular a sua própria opinião, com base em informações e factos objetivos".

 

 

A compra e a venda de casa representam, para grande parte da população mundial, as maiores transações das suas vidas. Esse é provavelmente o motivo pelo qual tantas pessoas recorrem a um profissional de mediação imobiliária para os ajudar.

A Remax é a marca líder (em termos relativos) na mediação imobiliária em Portugal. E provavelmente aquela que mais portugueses conhecem. Mas nos últimos anos, parte do seu legado poderia ser descrito da seguinte forma: um contributo para fazer do mercado de mediação imobiliária em Portugal um lugar pior.

Um lugar mais opaco e mais conflituoso. Um lugar onde um agente (ou consultor, os termos são usados de forma indistinta neste artigo), pode ter de recorrer a expedientes informais para poder prestar o melhor serviço a um cliente. Um lugar onde se criaram as condições para que esse mesmo agente se possa sentir compelido a mentir a esse mesmo cliente.

Até porque a Remax Portugal não se limita a privar os seus agentes de elegerem livremente as melhores soluções de mercado para os seus clientes. Promete também punir aqueles que decidam fazê-lo.

 

Este artigo é essencialmente uma cronologia de factos.

Uma enumeração precisa e factual das medidas hostis que uma dada marca decidiu adotar face ao mercado. E uma tentativa de explicar as suas motivações e consequências.

 

 

 

 

"O que lhe estou a tentar dizer (e por mais inacreditável que isto possa parecer), é que há marcas de mediação imobiliária em Portugal, que rejeitam potenciais interessados pela compra da mesma casa pela qual se obrigaram contratualmente a tentar encontrar um comprador.

E sim, a Remax é uma dessas marcas."

Por

sunakri.

O QUE ESTÁ EM CAUSA?

 

Quando entrega a promoção da casa a uma mediadora imobiliária, o contrato (de mediação imobiliária) prevê uma remuneração pelo sucesso dessa venda ou arrendamento. Essa remuneração é definida em grande parte das vezes, por uma percentagem sobre o valor de transação. Por exemplo: uma comissão de 5% sobre uma venda de 200.000€ corresponde a uma remuneração de 10.000€ (sobre os quais se aplica o IVA à taxa em vigor).

A prática mais comum no segmento residencial (e aquela que é usualmente descrita como boa prática), é que a mediadora a quem entrega a promoção da sua casa, esteja disponível para partilhar metade dessa comissão com qualquer outra mediadora devidamente licenciada, que apresentar um comprador. Aliás, o meu conselho profissional é de que deverá exigir essa garantia. Porque esses 5.000€ (metade da comissão de 10.000€) representam o prémio que assegura a motivação de todos os outros operadores do mercado (agências e agentes), para apresentar aquela casa aos seus clientes.

Este mecanismo designa-se por parceria ou partilha, e é aquilo que lhe permite entregar a promoção da sua casa ao profissional da sua maior confiança e, ao mesmo tempo, assegurar que todo um universo de profissionais tem uma motivação financeira para partilhar o seu imóvel com potenciais compradores.

 

Quando uma mediadora rejeita parcerias, dá-se forçosamente a redução do número de agentes a quem é permitido agendar uma visita com clientes seus a um dado imóvel. E dá-se também uma omissão clamorosa de informação relevante, que deveria ser prestada ao cliente.

Já viu algum contrato de mediação imobiliária onde uma mediadora declare que se recusa a aceitar potenciais compradores por este ou aquele motivo?

Eu não vi nenhum e aposto que o leitor também porque, segundo o Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção (IMPIC), que tem por missão regular e fiscalizar o sector, "A Portaria n.º 228/2018, de 13.08, veio fixar um modelo de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais (...)". E o que esta portaria diz, literal e textualmente, é que a mediadora se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado por um dado negócio.

O que lhe estou a tentar dizer (e por mais inacreditável que isto possa parecer), é que há marcas de mediação imobiliária em Portugal, que rejeitam potenciais interessados pela compra da mesma casa pela qual se obrigaram contratualmente a tentar encontrar um comprador.

E sim, a Remax é uma dessas marcas.

 

Quando é que acha que conseguirá vender a sua casa em condições mais favoráveis? Quando tem 1 ou 3 propostas? E quando é que acha que é mais provável ter um número mais elevado de propostas? Quando escolhe uma marca que aceita fazer parcerias com todas as outras imobiliárias? Ou quando elege uma mediadora que recorre a mecanismos que reduzem a probabilidade de o negócio ser fechado com um comprador representado por outra marca imobiliária?

Isto é o entendimento mais elementar do conceito de valor de mercado. Se a mediadora a quem entregou a promoção da sua casa limita ou restringe o mercado do imóvel, não pode esperar que isso não afete o valor pela qual a vai conseguir vender. Porque afeta. Não sou eu que o digo: é a teoria económica, e qualquer consultor imobiliário com dois dedos de testa.

 

 

 

A CRONOLOGIA DE UM FURO

A cronologia seguinte é feita de dois tipos de informação. De factos e respetivos comentários.

Os parágrafos assinalados como "OS FACTOS" reportam-se estritamente a isso mesmo, a factos.

Os comentários a esses factos estão assinalados por "COMENTÁRIOS". Esses parágrafos pretendem essencialmente dar contexto aos factos, para que se perceba melhor a sua amplitude e consequências.

 

 

"Diria que a receita mais famosa do mundo para reter talento é oferecer mais às pessoas. Mais dinheiro, mais condições, mais reconhecimento... Tentar fazer com que as pessoas sintam que ficar num dado lugar é o melhor para elas.

A Remax Portugal parece ter escolhido uma estratégia diferente. Criar obstáculos aos concorrentes diretos antes que estes se tornem demasiado grandes, borrifar-se para o melhor interesse dos próprios clientes e, sem demasiadas subtilezas, passar a seguinte mensagem aos seus agentes:

– Querem sair? Olhem que se lixam..."

 

 

AGOSTO DE 2014

OS FACTOS

Remax Portugal e Remax Ábaco assinam, em termos amigáveis (sem que qualquer das partes tenha de compensar financeiramente a outra), um acordo de rescisão.

COMENTÁRIOS

A Remax Portugal é o denominado master franchise da marca Remax em território nacional. Ou seja, a entidade que adquiriu os direitos comerciais da marca em Portugal. À semelhança do que sucede por exemplo, com a Century 21 Portugal ou a KW Portugal, mas também com tantas outras marcas de tantos outros sectores.

A Remax Ábaco era uma das chamadas franquias. Ou seja, uma das entidades que pagam (no caso à Remax Portugal), para usufruir do direito de explorar uma dada marca. São essas empresas que dão corpo às agências que se acostumou a ver nas ruas. Imagine que batizo a minha agência de ABC. Se me juntar à Remax ou à Century 21 a minha agência chamar-se-á provavelmente "Remax ABC" ou "Century 21 ABC".

 

 

SETEMBRO DE 2014

OS FACTOS

A KW abre as portas em Portugal através da KW Ábaco.

COMENTÁRIOS

A Ábaco adquire os direitos comerciais da marca KW para Portugal. Ou seja, constitui o master franchise da marca KW com o mesmo intuito de qualquer outro negócio em modelo de franchise: fazer expandir a marca em Portugal através da multiplicação de franquias, no caso agências de mediação imobiliária.

 

 

OUTUBRO DE 2014

OS FACTOS

O presidente da Remax Portugal envia um e-mail aos brokers (termo usado habitualmente para designar os proprietários das agências), do qual transcrevo três excertos:

1) "Partilhar negócios com a KW, irá ajudá-los a crescer rapidamente, alavancados através das nossas angariações e clientes";

2) “foi decidido pelo Master da RE/MAX Portugal PROIBIR A PARTILHA DE QUALQUER NEGÓCIO (nossa angariação ou angariação da KW), COM A KELLER WILLIAMS”;

3) "fomos também aconselhados pelos Brokers de Lisboa a criar penalizações fortes, para assegurar que ninguém incumprirá a presente regra, incluídas desde já, no Manual de Procedimentos".

COMENTÁRIOS

Esta é, que eu tenha conhecimento, a primeira tentativa de cancelamento da Remax Portugal face a um concorrente. Algo que não acontece sem o condicionamento deliberado da liberdade de ação do próprio agente Remax, e da intenção evidente de penalizar quem considere ignorar esse mesmo condicionamento. Tão ou mais relevante que falar nestas medidas, é entender as consequências objetivas que elas produzem na atividade dos profissionais, e na deterioração da proposta de valor oferecida aos clientes.

Quando era agente da Remax, lembro-me perfeitamente de ter ouvido um dia uma colega dizer (levante o braço o consultor da Remax que nunca tenha escutado algo parecido):

Quando os clientes me pedem para visitar uma angariação da KW, digo-lhes que já está vendida.

Por mais reprovação que esta conduta possa merecer, ela é – mais que qualquer outra coisa – uma opção infeliz perante uma escolha que nenhum profissional deveria ser obrigado a fazer. A escolha entre:

1)   Mentir ao cliente (aquilo que não deveria sequer constituir uma opção);

2)   Infringir as regras de uma mediadora que priva de forma deliberada os seus agentes de desempenharem plenamente as suas funções, e arriscar uma punição por não cumprir essas restrições;

3)   Explicar a um cliente comprador que, mesmo que encontre a casa dos seus sonhos, não é permitido ao agente Remax apresentar esse imóvel se ele for promovido pela KW.

E reconhecer perante um cliente vendedor que, mesmo que haja alguém disponível para pagar aquilo que ele gostaria de receber pela sua casa, não lhe é permitido apresentar essa proposta ao seu cliente, se esse potencial comprador for representado por um agente KW.

 

Consegue imaginar o stress que situações como esta geram num agente? A indignação que despertam num cliente? O tempo despendido a tentar encontrar uma solução? A pressão que gera sobre todos os intervenientes? O conflito entre a norma interna da Remax Portugal e o interesse dos próprios clientes?

Entende agora o que é fazer do mercado de mediação imobiliária em Portugal um lugar pior?

 

 

ENTRE 2014 E 2015

OS FACTOS

Outros franchisados da Remax decidiram abandonar esta marca e fazer parte da rede KW em Portugal.

COMENTÁRIOS

Não só não é inédito como não é de todo incomum que, por vezes, empresas de mediação imobiliária mudem de marca (franchise). Seja no termo do contrato de franquia (que tem usualmente uma duração de 5 anos, suscetível de renovações), ou através de algum acordo de rescisão entre as partes.

 

 

AGOSTO DE 2015

OS FACTOS

A Remax Portugal move um processo judicial à Ábaco. O montante total da ação é de 36.000€.

COMENTÁRIOS

Este processo, pelo que consegui apurar, diz respeito a duas coisas:

Ao facto de, em pelo menos um portal, haver anúncios da KW Ábaco em que a marca de água da Remax aparecia nas fotografias dos imóveis;

Ao facto de algumas placas da Remax não terem sido removidas.

 

 

JANEIRO DE 2017

OS FACTOS

Foi publicada a sentença relativa ao processo que a Remax Portugal moveu contra a Ábaco.

A Ábaco foi condenada a pagar 3.500€ à Remax Portugal (menos de 10% do valor reclamado pela Remax Portugal).

COMENTÁRIOS

Este foi o valor que o juiz entendeu que cabia à Ábaco pagar à Remax Portugal, por ter mantido anúncios em pelo menos um portal, cujas marca de água da Remax não teve o cuidado de remover. E por não ter conseguido remover todas as placas da Remax.

A título de contextualização: o valor que a Ábaco foi sentenciada a pagar é inferior ao que a Remax Portugal recomenda que seja cobrado pela venda de um imóvel de valor igual ou inferior a 20.000€.

 

 

ABRIL DE 2019

OS FACTOS

A KW Prime, a KW Business e a KW Viva, três franquias da KW (duas das quais haviam sido, anteriormente à chegada da KW a Portugal, Remax Prime e Remax Business), comunicam a sua rescisão unilateral à KW Portugal. Nesse mesmo mês nasce uma nova rede imobiliária em Portugal: a Zome. Estas franquias passam a designar-se Zome Prime, Zome Business e Zome Viva.

O nascimento da Zome conduz a:

1) Um conjunto de processos em tribunal que a KW Portugal move às mediadoras que abandonaram a KW durante a vigência do contrato de franquia. Dito isto, os agentes da KW nunca conheceram qualquer limitação de negócio com a Zome, nem a Zome impôs qualquer restrição à liberdade de atuação dos seus consultores relativa à KW.

A litigância judicial não teve implicações naquilo que é, objetivamente, a liberdade de ação dos agentes da KW e da Zome para servirem os clientes respetivos.

2) Nova tentativa de cancelamento: a Remax Portugal alarga à Zome aquilo que já havia deliberado em relação à KW. De acordo com atualização do manual de procedimentos da Remax posterior a esta data, "Partilhar contactos directos ou a entidades intermediárias, de clientes, efectuar negócios e/ ou visitas com Marcas Impedidas de partilha – KW e Zome" tem como consequência "a remoção do agente da rede".

COMENTÁRIOS

Porque é que a Remax alarga a sua tentativa de cancelamento à Zome? Nunca ouvi uma tentativa de explicação que não mencionasse o facto de parte dos fundadores da Zome terem sido um dia brokers da Remax, e terem decidido um dia mais tarde deixar de o ser.

É também do conhecimento generalizado, entre associados da Remax, que a Remax Portugal promovia contactos telefónicos à la "cliente secreto", com o intuito de testar aquilo que os consultores da Remax diziam quando confrontados com potenciais solicitações de negócios com a KW. Quando digo "é do conhecimento generalizado" não me estou a tentar refugiar em conceitos vagos: pergunte a agentes Remax. Foi exatamente isso que fiz e, segundo eles, eram os próprios brokers a alertar os agentes para a atenção que deveriam ter face a estas iniciativas da Remax Portugal.

 

 

"Conclusão: segundo dados disponibilizados pela própria Remax Portugal, a marca terá perdido entre 23% e 27% de stock no espaço de 15/16 meses."

 

 

JANEIRO DE 2021

OS FACTOS

A Remax Portugal introduz a obrigatoriedade de se estabelecerem protocolos com os outros operadores. Basicamente este procedimento impõe que cada agente Remax, para aceitar uma visita a uma angariação sua, de um cliente representado por um profissional que não seja associado da Remax, tenha de registar dados como número de pessoa coletiva, designação social da empresa, morada ou nome comercial da agência a que esse agente faz parte, para posterior validação da Remax Portugal.

COMENTÁRIOS

Segundo os próprios agentes da Remax, a Remax Portugal ter-se-á querido certificar de que os seus consultores não estariam a aceitar pedidos de visita de agentes da KW e da Zome. Mas como vamos poder ver já de seguida, é possível que houvesse mais motivos.

Este procedimento teve como consequências mais evidentes o acumular de algum trabalho de natureza burocrática para os agentes da Remax (imagine que recebe meia dúzia de pedidos de visita para o dia seguinte, de meia dúzia de imobiliárias diferentes), a geração de alguma desconfiança entre potenciais parceiros (nem sempre a mensagem seria passada de forma clara), e tornar o processo de agendamento de visitas menos prático e dinâmico.

 

 

1º SEMESTRE DE 2021

OS FACTOS

É passada a mensagem aos consultores (note-se que estas comunicações não têm necessariamente um caráter escrito, podem chegar aos agentes através das reuniões que têm lugar em cada agência, seja em formato presencial ou online), de que a Remax Portugal partilha apenas 30% da comissão (em vez dos habituais 50%) com a EXP Portugal e a IAD Portugal.

COMENTÁRIOS

Os motivos apresentados reportavam-se ao facto de estas duas imobiliárias não terem agências físicas, e de supostamente praticarem comissões mais baixas.

Arriscaria a dizer que o motivo mais verosímil para esta medida deverá ser o seguinte: basta falar com um recrutador para saber que os agentes Remax são remunerados entre 40% e 50% das comissões imobiliárias que geram (a não ser que paguem fees mensais nunca inferiores a 1.000€). Já os agentes da IAD e EXP recebem respetivamente, 69% e 75% do negócio que geram.

E sim, confirmo também que os agentes imobiliários, à semelhança dos demais exemplares da espécie humana, tendem a valorizar a possibilidade de receber mais dinheiro.

E sim, se é essa a pergunta que lhe está a ocorrer: KW e Zome também apresentam planos remuneratórios usualmente considerados mais atrativos que os da Remax.

 

 

SETEMBRO DE 2021

OS FACTOS

Todas as anteriores medidas elencadas em 2021 deixam de se aplicar. A Remax Portugal deixa de parte a obrigatoriedade de estabelecer protocolos. Mantém-se aquilo que já existia antes: a impossibilidade de fazer contactos, visitas e negócios com KW e Zome.

COMENTÁRIOS

Não sei ao certo o motivo desta desistência, mas imagino que esteja ligada ao facto de a maioria dos agentes e brokers não a apoiarem (dito isto, nunca senti que a generalidade dos agentes da Remax apoiasse a imposição de boicote à KW e Zome).

 

 

MARÇO DE 2022

OS FACTOS

Entre Janeiro e Fevereiro de 2022, outras medidas são comunicadas aos agentes pelas franquias da Remax:

1)   A partir de 1 de Março de 2022 os agentes Remax já podem fazer negócios com a KW e a Zome;

2)   A partir da mesma data a Remax deixa de partilhar metade da comissão com imobiliárias de todas outras redes. Partilham apenas 1,5% do valor de transação.

COMENTÁRIOS

Sobre o fim do boicote à KW e Zome, terá corrido a informação de que se deveria ao final do processo em tribunal. Lembra-se do que leu há instantes? A sentença foi conhecida 5 anos antes, em Janeiro de 2017. Basear o que quer que seja em factos, é uma disciplina na qual o universo Remax em Portugal parece reprovar sistematicamente...

Relativamente à outra medida, se uma franquia da Remax levasse um comprador a um imóvel angariado por outra franquia da Remax, a parceria continuaria a ser efetuada nos mesmos moldes: metade de comissão cobrada ao vendedor (usualmente de 5%) para cada uma das partes, ou seja, 2,5% para cada lado. Mas quando o comprador fosse representado por outra marca de mediação as franquias da Remax passavam a pagar apenas 1,5%.

Agarrando no exemplo inicial da casa que foi colocada à venda por 200.000€, por uma comissão de 5%, a agência que apresentasse comprador deixaria de receber 5.000€ para passar a receber 3.000€. Ou seja, a Remax decidiu reduzir em 40% a remuneração da parte que traz o comprador, sempre que esse comprador não fosse representado por um agente Remax.

Quando reduzimos um prémio em 40% (de 2,5% para 1,5% de uma dada transação), não podemos achar que isso não impacta o interesse dos seus destinatários: a consequência mais imediata é que os operadores vão ter menos interesse em promover aquele imóvel junto dos seus potenciais compradores. Ou seja, saem potencialmente prejudicadas as pessoas que entregaram a promoção das suas casas à Remax, porque a amplitude do mercado do seu imóvel (e respetivo valor) cai(em) virtualmente no momento que uma decisão destas é tomada.

E há aqui uma nota muito importante a acrescentar: a Remax é a marca líder em Portugal. Mas isso não significa que tenha uma quota de mercado superior a 10% ou a 15% (simplesmente, à data, será superior que as quotas dos seus mais diretos concorrentes). Assumindo estes valores como verosímeis (e acredito que sejam), esta medida terá deixado entre 85% a 90% do mercado de mediação com bastante menos vontade de levar compradores aos imóveis da Remax. Não há como negar: o impacto é muito significativo.

E quem é que ganha com isso? Já dizia Lavoisier, “(...) nada se perde, tudo se transforma”. A resposta é: a Remax Portugal.

Porquê? Esta medida, pelos motivos já enumerados, gera uma previsível redução do número de partilhas externas, o que potencia um crescimento do número de partilhas internas (expetativa declarada categoricamente neste vídeo da Remax Portugal) e, por conseguinte, uma maior coleta para o master franchise. Porque numa partilha interna, mesmo que ela implique a divisão 2,5% do valor da transação de um imóvel entre duas agências Remax, há um total de 5% de comissão a ser faturado por agências Remax, valor sobre o qual a Remax Portugal (enquanto master franchise), tem direito a receber uma percentagem. Num cenário de partilha externa, a Remax Portugal só poderia cobrar a sua percentagem sobre os 2,5% (ou segundo esta então nova regra: 3,5%) reportados por uma agência Remax, porque os outros 2,5% (ou 1,5%) seriam devidos a uma mediadora externa, sobre a qual a Remax Portugal não tem quaisquer direitos. De uma forma ou de outra, esta opção não acontece sem uma redução significativa da proposta de valor que é oferecida ao vendedor: a pessoa com quem a mediadora celebra o contrato de mediação imobiliária.

E que dizem genericamente os contratos de mediação imobiliária em Portugal? Que “a mediadora se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra/arrendamento/trespasse” ou "se obriga a procurar destinatário para a compra/arrendamento/trespasse". Não dizem que a mediadora se “obriga/esforça mais nuns casos e menos em outros”. Mas na prática foi mais ou menos isso que a Remax tomou a liberdade de fazer: remunerar a parte compradora de forma discriminatória em função da sua proveniência. Como se para o cliente a quem prometeram vender um dado imóvel, seja relevante se a pessoa que tem vontade e condições para o comprar, é apresentada pela Remax ou por outra mediadora.


 

ABRIL DE 2023

OS FACTOS

Em Março de 2023 há agências Remax que comunicam aos respetivos agentes que, a partir de Abril de 2023, a Remax Portugal reverte a decisão de partilhar apenas 1,5% com outras mediadoras. A Remax volta a partilhar 50% da comissão, o que usualmente representará 2,5% do valor total da transação.

A outra medida anunciada é a seguinte: a Remax Portugal volta a não permitir parcerias com a KW Portugal. O que é aliás assumido ao início do minuto 24 desta entrevista publicada pela própria Remax Portugal a 11 de Maio de 2023 (a censura à referência do agente à KW é apenas mais um detalhe trágico-cómico desta novela).

COMENTÁRIOS

Sobre o restaurar da partilha a 50%/50% (opção que não posso deixar de saudar; como quem saúda uma criança de 3 anos que deixa de tentar bater nos seus colegas do jardim-de-infância), os motivos parecem ser claros. Entre o início de Março de 2022 e final de Março de 2023, o período durante o qual a Remax partilhou apenas 1,5% de comissão com os parceiros, a Remax Portugal terá perdido muitos agentes (há centenas e centenas de agentes da Remax que são testemunhas desse êxodo, e outros tantos em outras marcas de mediação que assistiram, todas os meses ou semanas, à chegada de novos colegas oriundos da Remax). Tão ou mais relevante ainda: terá perdido muitos agentes com volumes de negócio grandes.

O que revela o fracasso da medida que entrou em vigor a 1 de Março de 2022. Quem viu o tal vídeo produzido pela Remax Portugal do início de 2022, que entretanto se tornou viral entre profissionais do sector, pôde confirmar que pagar apenas 1,5% a outras imobiliárias era também uma estratégia para prevenir a saída de agentes e captar novos.

Mais, nesse mesmo vídeo, que terá sido apresentado aos brokers em Janeiro de 2022, a Remax afirma ter um stock superior a 60.000 angariações. Para ser mais preciso, é referido no vídeo, por um personagem que representará simbolicamente um broker da Remax, os "mais de 60.000 cogumelos que temos nos armazéns". Se assistir ao vídeo asseguro-lhe que:

1) Vai entender a metáfora;

2) Questionar se a Remax Portugal comunica com os seus associados como se estes fossem imbecis.

Mas vamos aos números: ontem, dia 8 de Maio de 2023, perguntei a dez agentes da Remax e todos eles me confirmaram que, segundo o seu back office, a Remax Portugal tem pouco mais de 44.000 angariações disponíveis (mas segundo o seu site, também ao dia de ontem, serão quase 46.000). Conclusão: segundo dados disponibilizados pela própria Remax Portugal, a marca terá perdido entre 23% e 27% de stock de imóveis no espaço de 15/16 meses.

[Para uma melhor interpretação e contextualização destes números acrescento a seguinte nota: em artigo de 26 de Abril de 2023, o Idealista – considerado o maior portal imobiliário nacional, logo um barómetro relevante de auscultar em matéria de inventário – refere que o número de casas à venda em Portugal desceu 7% entre o primeiro trimestre de 2022 e o período homólogo de 2023. Ou seja, a perda de stock da Remax superará largamente a redução de inventário do mercado no seu todo]

Mas o mais grave de tudo: as franquias da Remax assinam contratos de mediação (em que constam os dados do agente angariador), nos quais se obrigam a diligenciar no sentido de encontrar um comprador para uma dada casa; mas permitam-se rejeitar potenciais interessados pela compra dessa mesma casa, alegando motivos que não estão expressos no contrato de mediação imobiliária. E que para lá constarem, teriam que ser aprovados pelo regulador.

Se isto não constitui uma ilegalidade...

 

Quanto ao regresso a uma maior hostilidade face à KW, circulam pelo menos duas versões: a primeira seria uma tomada de posição face à suposta agressividade da KW no recrutamente de agentes Remax; a outra uma explicação peregrina segundo a qual o sistema de comissionamento da KW será ilegal.

Vou apenas recordar algumas evidências:

1) Os agentes imobiliários são cidadãos de pleno direito, a quem é permitido fazer as escolhas profissionais que num dado momento entendem ser as mais adequadas para si. É por assim dizer, uma ideia basilar daquilo a que costumamos chamar de mundo livre;

2) As franquias da Remax em Portugal, assim como a esmagadora maioria das agências das mais variadas marcas de mediação imobiliária que operam no segmento residencial (nas quais se incluem todas aquelas a que se faz referência neste texto), não oferecem nem contratos de trabalho nem salários a agentes imobiliários; tratam-se de relações precárias (sem estabilidade assegurada), que assumem a forma de contratos de prestação de serviços; e que oferecem por isso, a cada uma das partes, uma flexibilidade enorme.

3) O modelo de remuneração da KW estipula que as comissões geradas pelo agente contribuam para o rendimento da agência e da KW Portugal apenas até um dado valor de faturação. A partir desse mesmo valor o Market Center (a designação que a KW dá a cada uma das suas agências) e a KW Portugal deixam de gerar lucro com as comissões geradas pelo agente. Dito de forma muito simples: em média, cada agente KW dá menos a ganhar à sua agência e à KW Portugal, que um agente Remax dá a ganhar à sua agência e à Remax Portugal; o que, em média e para um mesmo volume de negócios, lhe permite obter uma remuneração superior à do seu colega da Remax. É apenas um modelo negócio diferente, como os modelos da Zome, IAD e EXP (que não conheço em detalhe, mas que terão seguramente os seus méritos), e tantos outros mais. Não há nada de ilegal com estas abordagens: o seu único pecado é serem considerados mais atrativos que a tabela de remunerações da Remax Portugal.

 

Diria que a receita mais famosa do mundo para reter talento é oferecer mais às pessoas. Mais dinheiro, mais condições, mais reconhecimento... Tentar fazer com que as pessoas sintam que ficar num dado sítio é o melhor para elas.

A Remax Portugal parece ter escolhido uma estratégia diferente. Criar obstáculos aos concorrentes diretos antes que estes se tornem demasiado grandes, borrifar-se para o melhor interesse dos próprios clientes e, sem demasiadas subtilezas, tratar de passar a seguinte mensagem aos seus agentes:

– Querem sair? Olhem que se lixam...

 

A resposta tardou, mas chegou: os últimos 12 meses foram marcados pelo êxodo de profissionais experientes, que decidiram mandar à fava a Remax e a sua falta de civilidade em Portugal.

 

 

 

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES RELEVANTES

Há algo que é importante ser dito: a Remax Portugal está longe de ter o monopólio de práticas que prejudiquem o sistema de partilhas. Aliás, é justo reconhecer que historicamente falando, a Remax terá tido até um papel bastante relevante na implementação do sistema de parcerias em Portugal.

Infelizmente há algumas marcas no mercado que se recusam a fazer parcerias em qualquer circunstância (tema sobre o qual já escrevi em 2020). O que lhe estou a dizer é que se arrisca a assinar um contrato de mediação imobiliária com uma empresa de mediação que se compromete contratualmente a "procurar destinatário para a compra" do seu imóvel; mas que se concede o direito de recusar, nos casos em que lhe couber partilhar parte da comissão com outro operador, aquilo que precisamente lhe prometeu entregar: potenciais compradores.

Depois de ler isto, não fica com a sensação de que a mediação imobiliária em Portugal deveria ser mais regulada?

 

Alguns profissionais agarrar-se-ão à ideia de que nada disto é contra lei (crença com a qual discordo totalmente). Façamos então o exercício de nos deixar levar pelos cínicos, e imaginar como seria o mercado se todos os operadores recusassem ou dificultassem parcerias entre diferentes marcas de mediação.

Um mercado imobiliário onde cada pessoa que quisesse vender a sua casa com um profissional, teria que assinar dezenas de contratos de mediação imobiliária com dezenas de mediadoras, para poder assegurar que conseguiria cobrir parte considerável do mercado e chegar a um número razoável de potenciais compradores. Um mercado imobiliário onde cada cliente que quisesse passar por um processo de compra apoiado por um profissional, teria de falar com dezenas de agentes de mediadoras para tentar encontrar a casa mais indicada para si. Em suma: um mercado imobiliário com muito menos valor acrescentado para oferecer.

O que estes cínicos quase sempre se esquecem, é que não são mais inteligentes que os demais. E que da mesma forma que a hostilidade da Remax lhe valeu a perda de agentes e de quota de mercado, uma mediação nestes termos também vai perder interessados. Porque a razão de existir de um dado produto ou serviço, reside essencialmente no valor acrescentado que o mercado lhe reconhece.

 

Os agentes da Remax entendem muito bem a importância das parcerias. Porque foi essa ideia e esse mecanismo que, durante tantos anos, caraterizou a identidade e as práticas da marca (e aquilo que, segundo dizem agentes e brokers, os conduziu à liderança). Aliás, quando comento com agentes norte-americanos da Remax a forma como a Remax Portugal tem optado por trabalhar nestes últimos anos, eles têm dificuldade em acreditar.

Para que conste, não acho que os agentes da Remax sejam piores que os agentes da Century 21, da KW, ou da Zome. Vai encontrar bons e maus profissionais em quase todas as marcas. E o facto destas três marcas (e muitas outras) adotarem boas práticas, não invalida que algum agente que as represente, em algum momento, não adote condutas contrárias ao melhor interesse dos clientes.

A questão é que na Remax, em Portugal, por mais que se diga que cada agência é de propriedade e gestão independentes, as condutas que prejudicam a ação dos agentes, o interesse dos clientes, e o bom funcionamento do mercado, parecem ter origem no topo da hierarquia. O que condicionará desde logo o trabalho dos agentes. Principalmente dos bons profissionais que, previsivelmente, serão aqueles a quem não é preciso explicar porque é que a limitação da sua liberdade de ação, reduz também a proposta de valor que têm para oferecer. Os tais a quem parecem restar duas opções: tentarem mudar o rumo da Remax, ou mudarem-se para outro lugar.

 

A Remax Portugal vai muito a tempo de repensar as suas medidas hostis, e as narrativas toscas que constrói para as tentar justificar. Mas este player não é apenas uma entidade que terá, ao dia de hoje, uma quota de mercado mais pequena do que aquela que teria há 365 dias.

 

É uma marca também. E à semelhança das pessoas, as marcas definem-se pelas suas ações.

 

 

 

Por

Andrea Krug (editada).

 

 

NOTA FINAL

Cada uma das peças de comunicação interna da Remax Portugal que contribui para a riqueza factual deste artigo (o e-mail, o manual de procedimentos, o vídeo...), chegaram à posse de pessoas externas porque em algum momento elementos do universo Remax os facultaram.

Ou seja, há pessoas que continuam na Remax mas que, sem prejuízo disso mesmo, exibem desconforto e embaraço em relação às políticas da marca.

 

Resta-me agradecer a todos os colegas de profissão, em particular aos agentes (e ex-agentes) Remax, que tanto contribuíram para conseguir descartar mitos e mentiras, comparar dados e cruzar informação, por forma a confirmar os factos e conseguir localizá-los no tempo.

Mais que tudo, obrigado pela confiança que depositaram em mim. E por nunca terem duvidado da simplicidade do meu objetivo: partilhar a verdade.

 

 

Artigo editado no dia 16 de Maio com a referência à entrevista publicada pela Remax Portugal.

 

 

 

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